Um chefe irritante e irresistível
Célia Oliveira

1: Primeira impressão

Enquanto caminha em direção à padaria dos pais, localizada ao lado de sua casa, Marina ajusta sua camisa branca social. Por mais que sua aparência transmita confiança, ela não pode negar que, por dentro, está nervosa. E não é para menos, afinal, este dia marca o início de sua carreira. 

Apesar de ser filha de pais humildes, ela estudou com afinco para não seguir o mesmo caminho. Formou-se em Direito e agora está prestes a trabalhar em um dos escritórios mais renomados do país. Embora ainda não seja advogada, o cargo de assistente jurídica é um excelente começo para sua trajetória.

— Bom dia, pai — cumprimenta Marina, ao avistar José, que está do outro lado do balcão, reabastecendo o estoque de pães.

— Bom dia, Mari. Você está linda, minha querida — responde ele, admirando o modo como ela está vestida. — Sente-se, sua mãe já vai servir o seu café.

— Tudo bem. 

Marina se senta em uma das mesas próximas à porta. Dali, ela pode observar a rua e os clientes que entram na padaria. O local está cheio, e uma fila começa a se formar no balcão. Normalmente, ela auxiliaria os pais naquele horário, mas hoje, não pode arriscar sujar sua roupa.

Daniela, sua mãe, se aproxima com um copo de suco e uma coxinha de frango.

— Aqui está, Mari — diz ela, dando um beijo carinhoso na testa da filha. — Coma bem e vá logo, senão perderá o ônibus.

— Tudo bem, mãe — responde Marina, mordendo um pedaço do salgado.

Enquanto sua mãe volta a atender os clientes, Marina olha pela janela e vê um carro luxuoso parar em frente à padaria. Seus olhos brilham. Não é segredo que Marina tem grandes ambições e que possuir um carro como aquele é um de seus sonhos.

Do carro, desce um homem alto e bem-vestido, com uma expressão impaciente. Ao entrar na padaria, ele mapeia rapidamente o ambiente com os olhos, até que, por um instante, seu olhar negro encontra os olhos azuis de Marina, que o observa com curiosidade. Ela nunca viu aquele homem por ali.

Ignorando Marina, o homem se aproxima do balcão e, com impaciência, ordena:

— Ei, você aí! — ele chama, em tom ríspido. — Quero um refrigerante e um pedaço de torta para a viagem, seja rápida! Não tenho o dia todo!

Daniela, sempre gentil, mantém a calma. Ela está acostumada a lidar com clientes rudes ocasionalmente, mas aquele homem é diferente, sua arrogância parece quase intocável. — Um momento, senhor, estamos atendendo outro cliente — responde ela com um sorriso educado.

O homem ofega, impaciente, e b**e com força no balcão, fazendo um estrondo que atrai a atenção de todos.

— Eu disse que estou com pressa! — ele vocifera, com a voz ecoando pelo pequeno ambiente. — Vocês precisam aprender a atender mais rápido do que ficar conversando fiado.

Marina, que assiste à cena em silêncio, sente o sangue ferver. Ver sua mãe sendo tratada daquela maneira faz a indignação crescer dentro dela. Aquela atitude é intolerável, ainda mais em um local onde sempre prevalecem o respeito e a cordialidade. Sem hesitar, Marina se levanta e caminha decidida até o homem. Sua postura firme chama a atenção de todos. Até mesmo José, que normalmente evita conflitos, observa a filha com preocupação.

— Com licença, senhor — interrompe Marina, sua voz é firme e controlada. O homem se vira para ela, surpreso com o confronto. — Parece que você não aprendeu o que é respeito, não é mesmo?

— E quem você pensa que é para falar comigo assim? — retruca, com um olhar carregado de desdém.

— Sou alguém que não vai tolerar grosseria e desrespeito com pessoas trabalhadoras e honestas — responde Marina, sem se deixar intimidar. — Se está com pressa, deveria ter planejado melhor seu tempo, em vez de descontar sua frustração em quem está apenas fazendo seu trabalho. O homem abre a boca para responder, mas Marina não lhe dá espaço. — E a propósito, o senhor não é o único cliente aqui. Todos estão esperando pacientemente, porque entendem que educação e paciência são valores básicos em uma sociedade civilizada. Se quer ser atendido, sugiro que espere sua vez, como qualquer outra pessoa decente faria. — Marina se aproxima mais, seus olhos estão fixos nos dele. — E se não consegue fazer isso, a porta está logo ali. Tenho certeza de que existe algum lugar onde a grosseria é tolerada, mas aqui não é esse lugar.

O homem, confrontado por Marina, não demonstra o menor abalo. Ele cruza os braços devagar e um sorriso enviesado, carregado de ironia cruel, surge no canto de seus lábios.

— Ah, então é isso? — diz ele, com a voz transbordando sarcasmo, olhando para Marina de cima a baixo, como se ela fosse um incômodo menor. — Você saiu do seu lugar para me dar uma lição de moral? — Ele ri, um som baixo e desdenhoso, claramente apreciando seu próprio escárnio.

— Por favor, não se alterem — interrompe José, tentando evitar o pior. Ele embala o pedaço de torta e pega o refrigerante. — Aqui está, senhor. Espero que entenda, todos têm suas responsabilidades, e acredito que o senhor também tenha compromissos importantes.

José entrega o pedido ao homem, que tira algumas notas de dinheiro do bolso e as j**a no balcão, olhando diretamente para Marina com um sorriso de vitória.

— Pode ficar com o troco — diz ele, virando as costas e saindo, ignorando os olhares dos clientes que aguardam pacientemente na fila e, principalmente, o olhar indignado de Marina. 

Sentindo sua raiva aumentar, Marina segue o homem até o lado de fora, impedindo-o de entrar em seu carro.

— Escuta aqui, seu mal-educado — ela declara, em voz alta. O homem, ainda sorrindo, se vira lentamente, arqueando uma sobrancelha. — É melhor não aparecer mais por aqui ou farei questão de furar os pneus de seu carro, está me ouvindo?

O sorriso desaparece dos lábios do homem, que agora se aproxima lentamente. Sua expressão se torna assustadoramente fria.

— Acha mesmo que eu gostaria de frequentar uma espelunca como essa? — retruca com desdém. — Mas se eu quiser voltar, eu volto. Ninguém me diz o que fazer — conclui, sua voz gélida demonstra total desprezo pelas palavras de Marina.

Ele entra em seu carro e sai, deixando Marina parada o observando partir.

— Quem esse idiota pensa que é para falar desse jeito?

2: Só pode ser brincadeira

Voltando para o interior da padaria, Marina confronta o pai.

— Como pôde deixar aquele idiota sair daqui com um olhar vitorioso? — questiona, claramente frustrada.

— Para evitar confusão — responde José, enquanto atende outro cliente. — Todos têm seus dias ruins, minha filha. Talvez esse tenha sido o dele.

— Aquele homem não estava num dia ruim, ele “é” ruim, isso sim — retruca, com firmeza.

Daniela, que está atendendo outro cliente, observa a indignação da filha e decide intervir.

— Não estrague o seu dia devido a um homem que você nunca viu antes, filha. Termine seu café, ou perderá o ônibus.

— Tudo bem, mãe — responde Marina, bufando de frustração.

Após terminar o café, Marina se despede dos pais e sai da padaria, caminhando em direção ao ponto de ônibus. Enquanto anda, não consegue deixar de pensar no idiota que apareceu mais cedo. Marina nunca gostou de pessoas que se acham superiores às outras, e aquele homem claramente era um exemplo perfeito disso.

— Mari! — uma voz masculina interrompe seus pensamentos. Ela se vira e vê Sávio, seu amigo de infância.

Ele está montado em sua bicicleta e veste o uniforme do supermercado onde trabalha como repositor.

— Oi, Sávio — ela cumprimenta. — Está indo para o trabalho?

— Sim, estou — responde ele, observando o modo como Marina está vestida. — E você? Para onde está indo tão bonita assim?

— Vou trabalhar — responde, sorridente. — Hoje é meu primeiro dia e por isso caprichei um pouco — confessa, sentindo as bochechas corarem ao notar o olhar apaixonado de Sávio.

— Quer uma carona? — Sávio oferece, sorridente. — Posso te levar até o ponto de ônibus.

Apesar de ter crescido em um bairro simples, Marina sempre sentiu que não pertencia totalmente àquele lugar. Seu objetivo era trabalhar duro para tirar os pais da vida comum que levavam. Aceitar uma carona na bicicleta de Sávio a deixava um pouco constrangida, mas ela gostava muito dele para recusar.

— Tudo bem, aceito. Assim, não arrisco perder o ônibus.

Ao perceber a satisfação de Sávio com sua resposta, Marina senta-se na garupa da bicicleta. Enquanto ele pedala, ela sente o perfume refrescante que exala dele. Sávio era bonito, simpático e sempre a tratava bem, mas seu único “defeito” era gostar da vida simples que levava. Por mais que sentisse algo por ele, Marina sabia que não poderia se envolver com alguém que não tinha grandes ambições.

Chegando ao ponto de ônibus, ela agradece e se despede.

— Bom trabalho, Marina — diz Sávio, antes de sair pedalando.

Marina suspira. “Se ao menos ele tivesse uma moto…”, pensa, enquanto observa o amigo se afastar.

O ônibus chega e ela embarca, voltando seu foco para o tão esperado primeiro dia no escritório de advocacia Ferraz. Ela lembra-se da entrevista desafiadora, especialmente diante dos associados da empresa, mas sua determinação a ajudou a responder todas as perguntas com confiança. Quando recebeu a ligação informando haver sido aprovada, soube que dali em diante faria de tudo para se destacar e crescer na empresa, até exercer a profissão pela qual estudou tanto.

Ao chegar ao enorme prédio de fachada de vidro, Marina procura o setor de RH.

— Pegue o elevador e vá para o oitavo andar — explica a recepcionista.

— Certo, muito obrigada — responde ela, sorridente.

Caminhando em direção ao elevador, Marina aperta o botão para o oitavo andar e observa a porta se fechar. Enquanto está ali, arruma alguns fios de cabelo que se soltaram.

— Você é capaz, Marina — diz a si mesma, encarando seu reflexo no espelho.

Ao sair no andar indicado, ela localiza a sala do RH e entrega todos os documentos necessários para sua admissão. Uma senhora de meia-idade, muito educada, chamada Lúcia, a recebe com um sorriso.

— Está tudo certo, Marina. Seja bem-vinda à empresa — diz, apertando a mão dela. — Tenho certeza de que vai gostar de trabalhar conosco. Marina sorri com o comentário. — Você será assistente do senhor Rodrigo Ferraz. Ele é uma pessoa maravilhosa, muito educado e respeitador.

— Que alívio ouvir isso — responde Marina, relaxando um pouco.

— Aqui nos tratamos como uma família — acrescenta Lúcia, acompanhando-a até o elevador. Quando Marina entra no elevador, Lúcia lança um sorriso meio amarelo. — E como toda família, sempre há uma ovelha negra.

Marina franze o cenho, sem entender o que a mulher quis dizer. Quando as portas do elevador se fecham, ela fica refletindo sobre aquela estranha observação.

— Uma ovelha negra? — murmura, intrigada.

Ao chegar ao andar onde trabalhará, Marina caminha até a mesa da secretária de Rodrigo Ferraz. A mulher está concentrada no computador e não percebe sua chegada.

— Bom dia, sou Marina Ferreira, a nova assistente jurídica — se apresenta.

A secretária a observa dos pés à cabeça, com um olhar avaliador.

— Bom dia — responde, com a voz melosa. — Sou Katrina, secretária do senhor Ferraz. Vou avisá-lo que você chegou. Katrina pega o telefone e avisa o chefe.

— A nova assistente chegou.

Após desligar, ela se levanta, ainda sorrindo, e vai até a porta do escritório de Rodrigo.

— Pode entrar, o senhor Ferraz está te esperando.

— Obrigada.

Marina entra na imponente sala e avista Rodrigo sentado à mesa, usando um terno de linho impecável. Ele se levanta ao vê-la se aproximar.

— Bom dia, senhorita Ferreira, seja bem-vinda — Rodrigo saúda, estendendo a mão.

— Muito obrigada, senhor Ferraz. Espero corresponder às suas expectativas.

Rodrigo faz um gesto para que ela se sente.

— Seu currículo é ótimo. Embora ainda não tenha experiência, suas notas na faculdade e sua determinação chamaram minha atenção. É exatamente disso que precisamos aqui.

— Prometo que farei o possível para estar à altura das expectativas da empresa — responde ela, confiante.

— É isso que gosto de ouvir. Você trabalhará ao lado da Katrina e revisará todos os processos para mim.

— Claro, senhor.

De repente, a porta se abre bruscamente, interrompendo a conversa.

— Preciso que assine isto agora! — uma voz estridente preenche a sala.

Marina sente um calafrio ao reconhecer aquela voz. Lentamente, vira-se para ver o homem impaciente, e seu coração parece saltar para a garganta. Ela está diante do mesmo homem que enfrentou mais cedo na padaria.

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