1 - A DESCOBERTA DA TRAIÇÃO
O silêncio cortante da manhã foi o primeiro golpe que atingiu Celina ao despertar. Não era apenas a ausência de som — era a ausência dele. De novo. O lençol de cetim, frio e intacto ao seu lado, gritava uma verdade que ela já não conseguia mais ignorar: César não havia voltado para casa. E aquilo se repetia há meses.
Com os olhos ainda grudados pela noite mal dormida, ela permaneceu imóvel, encarando o teto branco do quarto gigantesco que mais parecia um palco abandonado. A mansão, imponente por fora, era agora uma prisão dourada por dentro. O luxo dos móveis, as obras de arte nas paredes, os arranjos de flores perfeitamente trocados pelas mãos das funcionárias... tudo era supérfluo diante do vazio que consumia seu peito. Ela se sentou devagar, com um nó apertando a garganta. Os pés descalços tocaram o chão gelado. O eco dos seus próprios passos, enquanto caminhava até o closet, parecia zombar da solidão que a rodeava. Parou diante do enorme espelho e se encarou. O reflexo a fez prender a respiração. “Será que estou feia?” — pensou, apertando os próprios braços como se buscasse abrigo em si mesma. “Será que estou envelhecendo? Será que ele encontrou alguém melhor? Mais bonita? Mais interessante?” Seus olhos vasculhavam o próprio corpo com uma crueldade silenciosa. As olheiras denunciavam noites maldormidas. A pele estava opaca, sem o brilho que costumava exibir. Os lábios, secos, já não sorriam como antes. O brilho nos olhos... havia sumido. Mas o pior não era o que via. Era o que sentia. “Será que deixei de ser suficiente?” Ela respirou fundo, os olhos marejando. A voz interna sussurrava todas as suas inseguranças — a rejeição, a solidão, o medo de estar sendo esquecida, descartada. Aquela mulher no espelho não era a Celina que César conheceu. Mas estava ali. Ferida, sim. Mas ainda de pé. Ela levou a mão aos cabelos soltos e, naquele momento, uma fagulha reacendeu. Não era raiva. Era dor transformando-se em impulso. — Eu não vou me destruir por isso… — murmurou, com a voz embargada. — Eu vou me lembrar de quem eu sou. Determinada, começou a escolher roupas. Roupas que há tempos não usava. Vestidos que acentuavam suas curvas, sapatos que a faziam caminhar como quem sabe onde pisa. Revirou as gavetas até encontrar uma lingerie preta de renda fina, ainda com etiqueta. Presente de uma época em que ela ainda acreditava que eles se amariam para sempre. Separou tudo com cuidado. Depois, ligou para o Spa que costumava frequentar antes da vida começar a desmoronar. Horas depois, Celina estava mergulhada em um processo de renascimento. As mãos delicadas da esteticista faziam massagens em seus ombros tensos, enquanto uma playlist suave preenchia o ambiente. Fez as unhas, depilou-se, cuidou da pele, do cabelo. A maquiagem realçou seus olhos verdes e suavizou seus traços marcados pelo cansaço. Quando se olhou no espelho do salão, no fim da tarde, mal se reconheceu. A mulher que a encarava estava deslumbrante. Forte. Pronta. Ao volante, o céu nublado acompanhava sua trajetória até o prédio espelhado da Brown Advocacia. Cada quilômetro percorrido era um confronto com seus próprios sentimentos. No coração, um turbilhão: medo, esperança, dor, desejo, dúvida. Ela não sabia o que encontraria ali. Só sabia que precisava tentar. Precisava olhar nos olhos dele. Precisava se lembrar do que um dia foram. Precisava, ao menos uma vez, lutar por si mesma — não como a esposa que foi deixada de lado, mas como a mulher que ainda merecia amor. Quando estacionou diante do prédio, já estava anoitecendo, o céu estava carregado de nuvens escuras. O expediente estava prestes a terminar. E Celina estava pronta para a verdade. Ela dirigir-se até o elevador e seguiu até a sala da presidência. Celina abriu a porta do escritório e seu mundo desmoronou. César, seu marido, estava entrelaçado no corpo de outra mulher. Nicole estava jogada sobre a mesa, os cabelos loiros desarrumados, os lábios entreabertos em puro prazer. As pernas estavam enroscadas na cintura de César, as mãos cravadas em suas costas. Ela foi a primeira notar sua presença. Um sorriso de satisfação surgiu em seu rosto. Seus olhos brilhavam com malícia, como se já esperasse aquele momento, como se quisesse que Celina a visse ali, tomando o que era dela. Foi só então que César percebeu sua esposa parada à porta. Ele se virou lentamente, sem pressa, sem susto. O olhar que lançou para Celina não demonstrava culpa. Não demonstrava arrependimento. Apenas frieza. Como se nada tivesse acontecido. Como se ela não significasse nada. César apenas a encarou, sem emoção e continuo o ato com a secretária friamente. Celina deu um passo para trás, sentindo que não suportaria mais um segundo ali, virou-se e saiu aos prantos, transtornada. Ela entrou no carro e, sem pensar, parou no primeiro bar que viu e bebeu. Saindo de lá, ligou o motor e acelerou. Saiu sem rumo pelas ruas de São Paulo. A chuva caía fina, misturando-se às lágrimas que escorriam pelo rosto de Celina. Dirigia sem rumo, ofegante, a mente entorpecida pela dor de ter flagrado a traição. O mundo parecia girar em câmera lenta, até que tudo acelerou num segundo. Ela atravessou um sinal vermelho sem notar. Um vulto surgiu. Um corpo. Um impacto. — Meu Deus! — gritou, pisando no freio com força. O carro parou com um tranco seco. Celina correu para a frente, o coração na boca. O homem estava caído, gemendo baixo. Era um morador de rua, mas não como ela imaginava. Tinha o corpo forte, os ombros largos e definidos mesmo sob a camisa molhada. O rosto, apesar da sujeira, era bonito. Revelava traços firmes e olhos intensos. — Você está bem? Eu... eu não te vi! Quer ir ao hospital? — perguntou, agachando-se ao lado dele. — Tô bem... acho. Só doeu a perna. Mas tô vivo — disse, tentando se levantar. Celina hesitou. O sobrenome Brown pesava em sua mente. O medo de alguém reconhece-la, de tudo virar manchete no dia seguinte, apertava seu peito. Um escândalo arruinaria ainda mais o que restava de sua vida. — Olha... posso te ajudar. Não quer ir pra um hospital, mas... Posso te levar num hotel. Um lugar quente pra descansar, tomar um banho, se cuidar. — Por quê você faria isso? — Porque eu... preciso fazer alguma coisa. Ele a olhou, desconfiado, mas depois assentiu. Ela o ajudou entrar no carro. O silêncio era tenso. Quando chegaram ao hotel, ele era simples e discreto. Celina subiu com ele até o quarto. — Vai, toma um banho. Eu espero aqui — disse, sentando-se na beirada da cama. Ele a encarou por um segundo, depois entrou no banheiro. Enquanto ouvia o som da água caindo, Celina respirou fundo. O cheiro do quarto era limpo, diferente do caos que carregava por dentro. Quando ele saiu do banho, com os cabelos molhados, toalha enrolada na cintura, Celina o olhou em silêncio. Bonito. Tão real. Mais real do que tudo o que tinha deixado para trás naquela noite.2 - ISSO É O SUFICIENTE PARA PAGAR O HOTEL
Celina viu aquele abdômen definido e musculoso reluzindo com os respingos d’água. Ela não conseguiu evitar o olhar. Ele era bonito. Bonito demais para a situação em que estava. E aquilo... aquilo era estranho.
Ela se levantou, ainda atordoada, e notou o ombro dele avermelhado. Deu um passo em sua direção, preocupada, mas tropeçou no pé de uma mesinha antiga no quarto. Antes que pudesse cair, ele a segurou com firmeza. Os olhos escuros dele a observaram com atenção, estudando cada detalhe do seu rosto. Celina o encarou por alguns segundos. Havia algo naquele homem que a intrigava. Um magnetismo silencioso e perigoso. Talvez fosse a bebida. Talvez o desespero. Então, ele a beijou. Um beijo possessivo, intenso, como se quisesse devorá-la por inteiro. O clima entre os dois esquentou, e Celina correspondeu. Queria aquele momento tanto quanto ele. Ela interrompeu o beijo, ofegante. — Isso não pode acontecer... é loucura. Eu nem sei quem você é. Nem o seu nome... — Também não sei o seu — ele respondeu, voltando a beijá-la com ainda mais intensidade. Então Celina falou: — Eu quero você! — Tem certeza disso? — falou ele, rouco, contra a pele dela. Celina fechou os olhos e sorriu de canto. — Pode ficar tranquilo. Eu sou adulta, não estou bêbada e sei exatamente o que estou fazendo. Ele a observou por um momento, depois sorriu satisfeito. — Ótimo! Seus dedos deslizaram pelo corpo de Celina até encontrarem o zíper do vestido. Lentamente, ele o desceu, deixando o tecido escorregar por suas curvas até cair em um círculo de seda ao redor de seus pés. Ela não estava nua. Sob o vestido, vestia a lingerie luxuosa, um conjunto de renda preta que delineava perfeitamente suas curvas. Os olhos dele percorreram cada centímetro de sua pele exposta, como se estivesse diante de uma visão celestial. — Você é linda! Celina sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Ele sabia exatamente o que dizer, como se cada palavra fosse meticulosamente escolhida para fazê-la se sentir desejada. E funcionava. Com um movimento firme, ele a puxou pela cintura, colando seus corpos. Então, sem aviso, tomou seus lábios em um beijo que fez sua estrutura tremer. Era intenso, profundo, arrebatador. Celina sentiu as pernas fraquejarem quando ele aprofundou o beijo, dominando cada espaço, cada sensação. Os dedos dele percorreram suas costas nuas, segurando-a com firmeza antes de erguê-la no colo. Instintivamente, ela cruzou as pernas ao redor da cintura dele, sentindo a força e o calor de seu corpo contra o dela. Ele sorriu contra seus lábios. — Eu sei ser gentil — sussurrou. Com passos firmes, a levou até a cama no centro do quarto, deitando-a com cuidado sobre os lençóis. Ali, sob a penumbra das luzes da cidade e embalados pelo desejo, se entregaram ao prazer com luxúria e intensidade. Num determinado momento, ele acariciou o rosto dela e disse: — Por que você? Por que de todas as mulheres que já passaram pela minha cama, você é diferente? Celina achou estranho aquela fala vindo dele, mas estremeceu, sentindo o arrepio percorrer sua pele. Ele deslizou a mão pelo rosto dela, afagando-a com suavidade. Depois a beijou, um beijo que fez suas pernas tremerem, um beijo que queimou em sua pele e deixou sua respiração entrecortada. E então sussurrou em seu ouvido, com aquela voz rouca e carregada de desejo: — Você me enlouquece, sabia? Ele voltou a beijá-la, e os dois novamente se entregaram de forma avassaladora. Nada mais existia. Nenhuma dor. Nenhuma traição. Apenas o instante. A claridade atravessava a janela, filtrando a luz do amanhecer e iluminando suavemente o ambiente daquele quarto. O céu de São Paulo exibia tons alaranjados misturados ao azul suave do início da manhã, e a cidade começava a despertar abaixo dela. Celina despertou devagar sentindo-se desorientada, com a cabeça latejando. A bebida da noite anterior ainda fazia efeito. Piscou algumas vezes tentando se situar. Virou o rosto para o lado devagar e sentiu o coração falhar uma batida. Viu aquele homem dormindo profundamente ao seu lado. O peito largo subia e descia em uma respiração lenta e tranquila. O lençol cobria a parte inferior de seu corpo, mas deixavam à mostra a pele quente e tatuada de seu braço, repousado sob a cabeça em um gesto despreocupado, como se nada no mundo pudesse perturbá-lo. Mesmo dormindo, uma aura intensa, quase perigosa, emanava dele. Celina engoliu em seco, sentindo um turbilhão de emoções de uma só vez. Ela sentou na cama rapidamente, segurando o lençol contra o corpo, como se precisasse desesperadamente de uma barreira entre ela e a noite anterior. — O que eu fiz? — sussurrou bem baixinho Seu coração batia forte. Ela tentou lembrar de cada detalhe, forçando a mente a resgatar os fragmentos da noite anterior, mas tudo parecia envolto em um nevoeiro confuso. Lembrava-se dela no bar, do acidente, da tensão entre os dois, das palavras sedutoras daquele homem, do desejo crescente. Lábios quentes explorando seu corpo. Respirações pesadas misturadas à penumbra. O toque firme de mãos hábeis percorrendo sua pele. Depois disso… flashes desconexos, tudo era um emaranhado de fragmentos confusos. O peito de Celina subiu e desceu com força. Ela nunca havia feito algo assim antes. Nunca. Ela passou a mão no rosto, sentindo a pele quente. — Meu Deus... que loucura foi essa? O sussurro escapou de seus lábios, carregado de culpa e desespero. Com cuidado, deslizou o lençol ao redor do corpo e sentou à beira da cama. Seus pés tocaram o chão frio, despertando-a ainda mais para a realidade. Levantou-se devagar, caminhando em direção às roupas espalhadas pelo chão. Sentindo o rosto arder, pegou tudo rapidamente e entrou no banheiro, trancando-se ali dentro. Apoiou as mãos na pia e ergueu o olhar para o espelho. O reflexo a encarou como um lembrete cruel da noite anterior. Os olhos verdes estavam marcados pelo cansaço, o batom vermelho desbotado nos lábios, os cabelos levemente desarrumados. — Olha pra você, Celina — sussurrou para si mesma, sua voz trêmula. — O que você fez com a sua vida? Celina sentiu um nó na garganta. O silêncio do banheiro ecoou sua pergunta sem resposta. Vestiu-se rapidamente, evitando se olhar muito no espelho, ignorando o aperto no peito. Não queria encarar aquele homem mais uma vez. Não queria conversar, não queria prolongar aquela manhã constrangedora. Só queria ir embora. Abriu a porta do banheiro devagar, espiando para ver se ele ainda dormia. Sim, ainda estava deitado dormindo. Mesmo dormindo, havia algo nele que exalava perigo. Um mistério que ela nunca iria desvendar. E talvez fosse melhor assim. Celina pegou um pedaço de papel na bolsa, rabiscou uma mensagem com sua letra apressada: "Isso é o suficiente para pagar o hotel." Colocou o bilhete sobre a mesinha ao lado da cama, respirou fundo e saiu do quarto em silêncio, carregando os sapatos nas mãos. Por mais cruel que fosse, a realidade estava esperando por ela do lado de fora. Era hora de encarar sua própria vida novamente. Sozinha.